E finalmente começa a haver reacções, neste caso dos principais interessados...
Com a devia vénia ao
Diário de Notícias da Madeira
Logo pelo início da manhã, os carros de turismo chegam em grande número ao Rabaçal para o passeio mágico de descoberta da natureza. As viaturas ficam estacionadas junto à estrada principal do Paul da Serra e os turistas fazem-se à estrada para partilharem da beleza daquela serra e dos seus trilhos. Outros aguardam pela carrinha da Câmara Municipal da Calheta que, por cinco euros, leva e traz o visitante que se quer deslumbrar com o ar puro e as vistas de zonas como o Risco, 25 Fontes, Fonte Vermelha, Lagoa do Vento e Lagoa do Alecrim.
Esta movimentação poderá ser alterada futuramente, uma vez que a Sociedade de Desenvolvimento da Ponta Oeste já anunciou que pretende construir um teleférico no Rabaçal, orçado em mais de cinco milhões de euros. Mas, de forma cautelosa e a medir todos os ângulos da questão, a Vice-Presidência do GR não quer avançar sem o relatório final da comissão de avaliação do estudo de impacto ambiental, ainda em fase de elaboração.
Com ou sem relatório, os muitos turistas que ontem se encontravam no Rabaçal foram unânimes em discordar dessa empreitada. Ingleses, alemães e até espanhóis fizeram 'cara feia' ao projecto com a argumentação de que "vai estragar uma zona de rara beleza."
Mais contundente foi a posição assumida ao DIÁRIO pela inglesa Anne Hopwood: "Não é uma boa ideia. Vocês já construíram tanto na Madeira e é a altura de pararem com tanta construção. Será que não percebem que não vão deixar nada para os visitantes verem? " Ao lado, um casal alemão também reprovava o teleférico, com a justificação de que se "poderá estar a arruinar uma bela ilha." A costa Norte, de Santana a São Vicente, ainda merece nota positiva, mas o Funchal e a zona Oeste são castigados com as críticas pelo "excesso de construção numa área tão pequena."
Enquanto se ouvia o repetitivo "stop building" (parem de construir), a carrinha da Câmara Municipal da Calheta chegava para levar os turistas até ao largo, junto à casa florestal, que serve de ponto de partida para os diversos percursos pedonais, nomeadamente Lagoa do Vento, 25 Fontes e outros paraísos, ao mesmo tempo que alguns grupos preferiam fazer o percurso a pé. O funcionário camarário Nazário tem uma "opinião própria" mas deixou logo claro que a guardaria para si próprio.
Descaracterizar a paisagemOutro casal alemão, a trocar os sapatos pelas sapatilhas para começar a caminhada lembrou, que "as autoridades deveriam dar atenção aos pareceres dos ambientalistas, nomeadamente em relação ao impacto dessa obra nesta magnífica paisagem." Não tinha dados para formular opinião. Apenas um comentário: "Gostamos é da natureza."
Também um casal de espanhóis discorda da ideia. Natural de Barcelona, a Madeira foi o destino escolhido para as férias. O passeio ao Rabaçal é a 'cereja no bolo'. Quando se fala na possibilidade de haver ali um teleférico, os espanhóis entreolham-se e comentam: "Não devem construir porque vai descaracterizar a paisagem. Além disso, os teleféricos costumam ser muito caros para quem quer neles andar. Há que reflectir melhor."
Outro casal, oriundo da Suíça, foi também peremptório: "Não sou fã de teleféricos. É melhor deixar como está."
Já os condutores das carrinhas de turismo têm uma opinião completamente favorável ao teleférico. Adelino Gonçalves e Alexandre Silva justificam com experiências que existem noutras zonas da Madeira e que contam até com boa adesão dos turistas. Também não concordam com o argumento de que "estraga a natureza". Mais "estragos faz a carrinha que desce Rabaçal abaixo a deitar fumarada." Para estes profissionais, as reservas de alguns turistas ao teleférico nada têm a ver com os danos na paisagem mas com o bolso. "O turismo que nos visita perdeu poder de compra e isso é cada vez mais visível, porque não quer gastar quase nada. Não é uns cabos que acabam com a natureza."
Segundo o DIÁRIO apurou ontem junto da dona da obra, é aguardado o relatório final da comissão de avaliação do estudo de impacto ambiental para revelar a posição definitiva sobre este projecto: de avanço ou de recuo. Para já, terminou o período de discussão pública em torno do estudo de impacto ambiental , foram recolhidos pareceres de várias entidades e aguarda-se pela decisão final.
Tal como já foi anunciado, o teleférico projectado tem capacidade de carga para 240 pessoas por hora, o que por si só assegura uma movimentação ainda maior do que aquela que se verifica presentemente no Rabaçal.
Na revista oficial da Vice-Presidência do GR, fica-se a saber da intenção por parte d da Ponta Oeste, do lançamento do concurso de concepção/construção do teleférico. "Pretende-se fazer uma ligação rápida e segura desde a cota alta do Paul da Serra, que se situa a mais de 1.200 metros de altitude (Estação A), a uma cota intermédia, onde está localizada a Casa do Rabaçal, sensivelmente a mil metros (Estação B) e, ainda, a ligação a uma cota ainda mais baixa (Estação C). Assim sendo, o projecto será composto por três estações, situadas em terrenos que apresentam um declive muito acentuado. Contudo, e por ser uma zona onde a Natureza é o elemento dominador, pretende-se que as infra-estruturas tenham pouco impacto visual na paisagem, procurando na generalidade a sua camuflagem."
Apesar de tudo, é um projecto que ainda não convenceu totalmente turistas e técnicos.
Câmara vota favoravelmenteO paradisíaco Rabaçal insere-se no domínio territorial do município da Calheta. O presidente da respectiva Câmara Municipal afirmou ao DIÁRIO que "os serviços técnicos da autarquia emitiram um parecer favorável ao projecto."
Curiosamente, há ambientalistas que dizem ter acompanhado a discussão pública do estudo de impacto ambiental e terão verificado a posição desfavorável da autarquia ao investimento. Porém, Manuel Baeta clarifica que o executivo camarário aprova.
Interrogado sobre as razões que levaram a Câmara a dar parecer favorável, o autarca explica-se nestes termos: "A nossa perspectiva é meramente empresarial. Aprovámos um investimento que permitirá assegurar também o desenvolvimento do concelho e criar mais postos de trabalho."
Quanto às possíveis consequências na paisagem, Manuel Baeta reserva essas opiniões aos peritos. "O nosso parecer não tem nada a ver com a questão ambiental, visto que há entidades competentes que estão a estudar tecnicamente o assunto e que se deverão pronunciar na devida altura", sublinha o edil.
'Quercus' em total desacordoA associação ambientalista 'Quercus' é totalmente contra um teleférico no Rabaçal. "Estamos a falar de uma obra que não traz nenhuma mais-valia para o local, acabando inclusivamente por matar a paisagem e o tão procurado passeio a pé", afirma o presidente nacional Helder Spínola.
Por outro lado, o ambientalista prevê consequências negativas na preservação do habitat da laurissilva, com regras internacionais apertadas de preservação e controlo.
A ser viabilizado o projecto, há também uma fase de desmatação para a instalação das bases da nova estrutura que preocupa o ambientalista. Por outro lado, a lotação prevista, o transporte de 240 pessoas por hora, terá também outros reflexos preocupantes já que a zona não estará preparada para receber tantas pessoas. "Estamos a falar de um projecto que não faz nenhum sentido naquela zona", afirma Helder Spínola. O ambientalista diz mesmo que há entidades públicas que já se pronunciaram contra, na fase de discussão pública, como o parque Natural da Madeira e a própria Câmara da Calheta. Independentemente disso, acha que é um projecto para esquecer.
Ambiente prepara relatório final O director regional de Ambiente considera "prematuro" emitir uma opinião sobre o teleférico do Rabaçal num momento em que tem a sua equipa de técnicos (e outros), a chamada comissão de avaliação, a elaborar o relatório final sobre o impacto ambiental dessa estrutura.
João Correia apenas acrescenta que encerrou o período de discussão pública e que os pareceres estão todos a ser ponderados, assim como as variáveis técnicas. Não se trata de querer fugir à questão, ressalva o director regional, mas não comentar, fora de tempo e sem todos os dados, o assunto.
Tal como o DIÁRIO já publicou, na edição de 11 de Setembro passado, o estudo de impacto ambiental dá nota de alguns aspectos pouco positivos. "A justificação do projecto apresenta algumas incoerências, devendo os objectivos e definições serem alvo de reavaliação." Mas não só. Há também reservas, até mesmo por parte da comissão de avaliação, sobre a influência da capacidade de carga nos ecossistemas naturais, receando-se que possa haver alguma degradação." Mas resta aguardar pelo relatório final desta comissão.
Rosário Martins