Do Diário da Assembleia da República, 2298 I SÉRIE - NÚMERO 71 (sessão de 1996-05-16):
Srs. Deputados, vamos dar início ao debate do projecto de lei n.º 100/VII - Estatuto remuneratório dos titulares de cargos políticos (CDS-PP). Trata-se de um agendamento potestativo.
Para uma intervenção inicial, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Santo.
A Sr.ª' Helena Santo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Por iniciativa do Grupo Parlamentar do Partido Popular, a Assembleia da República tem hoje uma nova oportunidade de acabar com as reformas especiais e privativas dos titulares de cargos públicos. Enquanto todos esperamos pelo já anunciado e tão esperado, quanto infeliz e inoportuno, projecto de lei do PSD á propor o aumento dos ordenados dos políticos, o Partido Popular entende que o País e os cidadãos não podem esperar mais por um sinal claro desta Assembleia de que está, verdadeira e inequivocamente, empenhada em acabar com os privilégios dos políticos.
A moralização da vida portuguesa é para nós uma condição essencial para a credibilidade das instituições democráticas.
Em Portugal, parece existirem duas classes de cidadãos: os políticos, que se têm vindo a atribuir, por via de lei, um conjunto de privilégios privativos, , e os demais cidadãos, que trabalham uma vida inteira e pagam os seus impostos.
Queremos deixar bem claro que as propostas contra os privilégios dos políticos não são para atacar a classe política, visam, sim, restaurar a credibilidade dos políticos,dignificar a acção política e defender os políticos sérios e justos. Um político sério e justo não se julga um cidadão diferente dos outros nem se julga no direito de ter regalias que os princípios não justificam e a que a maioria dos portugueses não pode aceder.
Os políticos têm de ser pessoas em quem os portugueses confiem e em quem reconheçam dedicados servidores do interesse público. Sem a necessidade da contrapartida de mordomias injustificadas. Quem está na política está porque quer e porque gosta. A política é um serviço, não é a «Casa da Sorte».
Com a proposta que hoje apresenta, o Partido Popular provoca também, e mais uma vez, a clarificação necessária da vida política portuguesa. É um desafio aos políticos, aos partidos e aos órgãos de soberania. O País tem de saber quem são os políticos que querem dar o exemplo e quem são os políticos que acham que a redução das despesas é só para os outros.
O estatuto remuneratório dos titulares de cargos políticos é actualmente regulado pela Lei n.º 4/85, de 9 de Abril, alterada já na fase terminal do cavaquismo pela Lei n.º 26/95, de 18 de Agosto.
Recordamos que esta lei é do tempo do Bloco Central e, hoje, a esta distância e com 11 anos de prática, não restam dúvidas que se trata de uma lei injusta e discriminatória.
É uma lei injusta, em primeiro lugar, porque prevê o direito de o Presidente da República, os Membros do Governo e os Deputados à Assembleia da República, receberem uma reforma política a que a lei chama, sofisticadamente, «subvenção mensal vitalícia», desde que tenham desempenhado os respectivos cargos durante 12 ou mais anos, seguidos ou interpolados, logo a partir dos 55 nos de idade.
Ora, qualquer português em condições normais só tem direito à reforma aos 65 anos ou após perfazer 36 anos de serviço, no caso da função pública.
Acresce que não há critérios de princípio ou de razoabilidade que justifiquem que os Membros do Governo e os Deputados atinjam a idade da reforma antes do comum dos cidadãos. Os políticos não são mais que os outros.
Então, qual a razão de ser desta desigualdade? Não encontramos resposta cabal, pelo que a conclusão só pode ser uma: ter direito a uma reforma após 12 anos de actividade é um privilégio ofensivo dos mais elementares princípios de justiça social em relação a quem tem de trabalhar uma vida inteira para ganhar uma reforma minimamente digna.
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Muito bem!
A Oradora: - Os portugueses têm toda a razão, quando criticam os Membros do Governo e os Deputados por terem direito a uma reforma que eles próprios criaram e que podem receber, trabalhando três vezes menos tempo do que qualquer português.
E uma lei injusta, em segundo lugar, porque permite ao Presidente da República, aos Membros do Governo, e aos Deputados à Assembleia da República acumularem a reforma política com a vida activa privada.
Consideramos inaceitável que um político que tenha exercido funções em qualquer órgão de soberania regresse à vida privada e ao seu trabalho normal, recebendo todos os meses uma reforma política.
Os políticos devem dar o exemplo. O exercício de cargos políticos ê uma exigência de responsabilidade acrescida, mas não pode ser uma fonte de privilégios adicionais. A função pública é um serviço público, não é um benefício pessoal.
É uma lei injusta, em terceiro lugar, porque é uma lei que permite ao Presidente da República, aos Membros do Governo e aos Deputados à Assembleia da República acumularem uma reforma política com a sua reforma normal. Os políticos dão, pois, de si próprios a imagem de pessoas que se aproveitam do voto dos eleitores para obterem privilégios adicionais.
O Partido Popular defende que todos os portugueses, incluindo os políticos, tenham uma protecção justa e eficaz ao fim de uma longa vida de trabalho. O que o Partido Popular não aceita, e jamais aceitará, é que os vícios e ás deficiências do actual sistema de protecção social sejam aproveitados pelos políticos, como se fossem um grupo de portugueses à parte, com mais direitos e menos deveres do que a generalidade dos cidadãos.
É uma lei injusta, em quarto lugar, porque prevê que o Presidente da República, os Membros do Governo e os Deputados à Assembleia da República recebam um subsídio de reintegração na vida activa, no caso de não atingirem os 12 anos necessários para receberem a reforma política.
Estamos, neste caso, perante a maior hipocrisia do sistema: não há notícia de Ministros ou Deputados que tenham ingressado no desemprego ou tenham piorado as suas condições de vida após cessarem funções.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
A Oradora: - O que até se ouve com alguma frequência é que os políticos perdem muito dinheiro por abandonar a sua actividade profissional normal para desempenharem cargos políticos. É a prova de que este subsídio de reintegração não só não é necessário quando os políticos regressam à sua vida profissional de origem como não é defensável sob nenhuma perspectiva.
Vejamos, por exemplo, o caso dos Ministros: um Membro do Governo deixa de o ser porque perdeu as eleições ou porque o Primeiro-Ministro o acha incapaz para o exercício da função. Pergunta-se: porquê, então, o prémio dó subsídio de reintegração? Não encontramos outra resposta senão esta: os políticos atribuíram-se um salário de luxo para o dia em que deixam de ser políticos. Chamaram-lhe subsídio de reintegração mas, na verdade, é uma nova retribuição a receber, por estranho que pareça, a partir do dia em que já não têm trabalho público para fazer.
Para o Partido Popular, os políticos não são cidadãos especiais. Todos os portugueses são iguais perante a lei. Os políticos e os outros cidadãos têm os mesmo direitos. A política é um serviço público com risco, tal como na vida privada todos os portugueses correm o risco de encontrar ou perder o seu trabalho.
Por este conjunto de razões apresentamos hoje esta «lei anti-privilégios», com duas medidas fundamentais.
A primeira prevê a abolição do sistema de reformas privativo dos titulares de cargos políticos. Defende o Partido Popular que os anos de exercício de cargos políticos contem exclusivamente para a reforma a que os políticos tenham originariamente direito, em virtude da sua vida profissional.
Os políticos não podem ter uma reforma mais cedo do que o comum dos portugueses, artificialmente maior do que a que receberiam se não fossem políticos. Os políticos não podem ter uma reforma dupla por terem desempenhado um cargo político.
A segunda consiste na revogação pura e simples do subsídio de reintegração.
O prejuízo profissional, cuja reparação é suposto este subsídio compensar, nunca existiu nem se crê que venha a existir.
Esta iniciativa do Partido Popular não é um acto de propaganda ou uma operação mediática. O estatuto dos políticos nas sociedades democráticas é um assunto demasiado sério para ser tratado com ligeireza, facilidade ou oportunismo. O que os políticos ganham e o que os políticos têm é um assunto que diz respeito a todos os portugueses e não apenas a esses políticos.
É por isso que, em nossa opinião, é necessário formar uma maioria moral na Assembleia da República. Queremos que esta lei passe e que a classe política dê um exemplo de humildade, de dignidade e de credibilidade.
Dirigimo-nos especialmente ao PS e ao PSD, cujo concurso é imprescindível, no actual contexto parlamentar, para aprovação da lei.
É preciso saber se o PS e o PSD foram definitivamente consumidos pela gestão dos vícios e dos defeitos do sistema ou se, pelo contrário, conservam alguma capacidade para reformar a sério o sistema político.
Uma vez mais, o Partido Popular dá o exemplo e actua como força de impulso e de mudança. Todos os Deputados do Partido Popular renunciaram já a receber as reformas políticas. É preciso que a Assembleia da República dê, também ela, sobretudo ela, o exemplo de actuar como força de impulso e de mudança.
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Srs. Deputados, chegámos ao fim do debate. O CDS-PP, por requerimento apresentado pelo seu líder, que já foi distribuído e é do conhecimento de todas as bancadas, requereu que se procedesse à votação imediata, na generalidade, do projecto de lei n.º 100/VII - Estatuto Remuneratório dos Titulares dos Cargos Políticos (CDS-PP).
Vamos votá-lo.
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS e do PSD e votos a favor do CDS-PP e do PCP.
quarta-feira, 7 de janeiro de 2009
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