sábado, 20 de dezembro de 2008

AS DIFICULDADES DO PSD - PACHECO PEREIRA

Com a devida vénia ao Abrupto



AS DIFICULDADES DO PSD




As faltas dos deputados do PSD que assinam para receberem o dia e não terem registo de ausência e depois se vão embora, dificilmente levarão à sua responsabilização dentro do PSD. Por que razão é que andar em jogos de futebol (como também faz o PS como “trabalho político”), ou jantares de clubes desportivos até à madrugada, não é “trabalho político”? Ou havendo um Alfa pendular que traz as pessoas do Porto a Lisboa a mais que horas de votarem, apenas com a maçada de se terem que levantar cedo, não deixa de ser desculpa válida? Who cares?




Naquilo que puder ser usado para combater Manuela Ferreira Leite ou o líder parlamentar de sua confiança Paulo Rangel, as faltas dos deputados do PSD serão glosadas até ao limite, como faz habitual e trivialmente Menezes, mas olhar para quem falta como gente que prejudicou mais uma vez a imagem do PSD, isso não corresponde aos costumes de parte da casa. A intriga tem tradição, a responsabilidade não. São todos “PSDs” genuínos, da camisola, por isso ninguém lhes pedirá contas por nada, até porque muitos deles estão seguros pelo seu controlo de estruturas locais que os proporão de novo aos lugares de deputados, façam eles algum trabalho no parlamento ou passem pelos interstícios do livro de presenças sem ninguém dar por ela.




Aliás o mesmo acontece com outros “casos”, em particular os que envolvem figuras do PSD em actos eticamente reprováveis, em ilegalidades ou corrupção, ou a enormidades políticas como foi o caso do banimento ilegal de um deputado na Madeira pela maioria parlamentar do PSD. Tudo isto, que faz estragos enormes à credibilidade do partido, é visto como inimputável internamente, sem nunca se assumirem ou pedirem responsabilidades políticas. A fúria vai mais contra o facto de eu estar a escrever isto, preto no branco, do que com o que aconteceu. Como eu os percebo, tanto mais que na lista dos faltosos estão muito bem representados deputados que foram escolhidos em função das amizades e fidelidades com o líder de então e por isso estão hoje muito “desmotivados”.




Uma das razões porque alguma gente fica muito irritada quando eu falo do PSD é porque eu insisto em que os factores de crise do partido são estruturais e convém a essa mesma gente que sejam apenas conjunturais, ou seja de liderança. No momento actual convém lembrar essa diferença, porque ela não só ajuda a explicar muita coisa, como é essencial para se perceber os problemas de um partido que teve no passado na vida pública portuguesa um papel decisivo e que não é líquido que o torne a ter, se não se defrontarem os problemas de fundo.

Uma das razões que agravam a crise estrutural é que ela não se manifesta da mesma maneira em todos os níveis de actividade do PSD. Para efeitos de simplificação, distingo três níveis de actividade partidária, a do partido propriamente dito (e da JSD e dos TSD), a autárquica e a nacional. O nível autárquico está de um modo geral bem, o PSD continua a ser um grande partido autárquico e regional, embora mesmo aí as tensões que afectam os outros níveis de actividade partidária possam hipotecar o seu futuro.




É a nível partidário e nacional que existem problemas estruturais graves, nalguns aspectos mais graves no PSD, embora também existentes no PS onde são disfarçados pelo exercício do poder. A nível partidário, o PSD está a tornar-se uma organização local complementar das autarquias, com a mesma lógica do poder local e com diminuta projecção numa actividade cívica com significado nacional. A vida interna das secções e distritais, esmagadormente dominada por um sindicalismo da própria estrutura, que passa pela sua “representação” no partido, - daí muitas vezes a inflação artificial de militantes para garantir mais lugares de delgados e maior “força” da distrital junto da direcção do partido, ou da secção dentro da distrital, - de muita competição interna por lugares e jogos de influência de grupos, raras vezes se projecta de forma qualificada na vida do país. As estruturas fecham-se num universo cada vez mais dominado pela partilha dos bens escassos a que tem acesso, recebem com hostilidade qualquer iniciativa vinda de independentes ou simpatizantes, cujo “protagonismo” é logo atacado, porque parece uma ameaça aos que já lá estão ou à segunda leva que conta vir a lá estar. É raro existirem actividades políticas propriamente ditas que não passem pela ocupação dos cargos públicos – os comunicados contra o PS são dominados pela disputa pela ocupação de lugares na administração e nas empresas públicas ou municipais – e pela intriga interna. E pior ainda, existe muito tráfico de influências, muito lobiismo, e corrupção.




O pais conta pouco, o bem público muito menos e o partido, apesar de estar sempre na boca de muito gente como se fosse um clube de futebol, fora das benesses que a cada um pode dar, conta ainda menos. Tornadas máquinas de pequenos poderes e pequenas influências, as secções partidárias não existem enquanto braços de um partido nacional, que é suposto representar uma “parte” da opinião dos portugueses com uma visão própria, programática e histórica (no sentido da história como “programa não escrito”) própria. Esta desertificação que nasce em baixo, produz os deputados que acham absolutamente normal passarem quatro anos no parlamento como uma sinecura suplementar e por isso não estão dispostos a prejudicarem o seu fim de semana alargado com votações.




O pior é que esta degradação dos aparelhos partidários (insisto, comum ao PSD e ao PS) sobe como as heras pelo edifício partidário acima e destrói tudo o que vive pelo caminho. O único dirigente do PSD que percebeu a correlação entre o “estado” do partido e a crise da sua projecção nacional, que percebeu que existe uma relação directa entre o desprestigio da vida partidária e os factores de crise da representação democrática, cada vez mais graves e ameaçando a democracia, foi Marcelo Rebelo de Sousa. Cavaco deixou a coisa degradar-se por baixo, pensando que podia escapar na governação aos seus efeitos. Quando hoje o caso do BPN o assalta, paga o preço dessa falta de atenção. Durão Barroso fez todos os acordos necessários para sobreviver, até porque era visto como suspeito e estranho. Marques Mendes, que vinha do interior da casa, compreendeu o problema, tentou defrontá-lo e foi varrido do mapa pelo mesmo Menezes que, junto com Valentim Loureiro, foi a oposição a Marcelo.




Manuela Ferreira Leite ganhou quase por milagre, representou um (último?) sobressalto do PSD do passado, o partido reformista fiel à génese social-democrata de Sá Carneiro e que conheceu em Cavaco Silva o seu grande executivo. Mas a maioria das estruturas do partido e o tipo de militantes que recrutam cada vez mais como sua “massa de manobra”, a última coisa que querem ouvir falar é na regeneração do partido, que sabem só poder ser feita contra os interesses instalados e pela mudança das pessoas. E não querem saber para nada do facto da maioria dos eleitores reais e potenciais do PSD desejarem um partido diferente, credível, sério e mais honesto.

No topo, uma direcção séria que queira contrariar este estado de coisas só pode contar com uma luta feroz de cada pequeno interesse ameaçado. E, ou claudica, como de alguma maneira fez Marcelo, após um arranque corajoso, ou está permanentemente num ambiente de guerrilha que a comunicação social alimenta com avidez. E pior, encontra um partido sem quadros qualificados, sem interlocutores viáveis para a sociedade, sem trabalho nem estudo feito para corresponder aos problemas do país e que não muda com qualquer passe de mágica, nem com karma, nem com a projecção a nível nacional de políticas de proximidade que resultam nas autarquias e nas regiões, mas que a nível nacional significariam mais populismo e menos qualidade na política e na governação.

E por isso tudo é frágil e vai continuar a ser frágil, e pode cair como um castelo de cartas a qualquer momento.

(Versão do Público de 13 de Dezembro de 2008.)

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