terça-feira, 16 de dezembro de 2008

A ENTIDADE DE CONTAS (I)

Um interessante comunicado do Movimento Liberal Social a propósito da verdadeira palhaçada (mas com intenções muito nítidas) que são as pseudo-análises feitas às contas dos partidos, onde a corrupção nunca é decoberta (houve apenas um caso, mas foi grande descuido dos rapazes) mas pequenos erros são logo alvo de elevadas coimas. A intenção é muito clara: acabar com todos os partidos que se possam opôr ao sistema corrupto.

Voltarei a este assunto nos próximos dias, com casos concretos que se não fossem tão tristes seriam para rir em grande galhofa.


O Movimento Liberal Social (MLS) considera que o histórico de Acórdãos do Tribunal Constitucional relativamente às contas dos partidos políticos é uma vergonha para a democracia portuguesa e um factor de empobrecimento da nossa vida política.

Sistematicamente, todos os anos, são emitidos acórdãos com 3 anos de atraso (o acórdão sobre as contas de 2004 só foi emitido em Fevereiro de 2007 e as respectivas coimas decididas em Fevereiro de 2008), onde se multam a quase totalidade dos partidos do nosso sistema político, quando não mesmo a totalidade como foi o caso do Acórdão 236/2008. Constituindo esta aplicação generalizada de coimas um exemplo único ao nível das democracias da União Europeia, digno de um sistema autoritário, e indiciando que:

- Ou todos os nossos partidos políticos são pessoas de má fé e as falcatruas nas suas contas abundam;
- Ou existe um excesso de zelo na aplicação da lei por parte do Tribunal Constitucional;
- Ou a lei está claramente desajustada da realidade.

Face a um estudo que o MLS elaborou sobre o tema para o período de 1999 a 2004, a conclusão a que se chega foi que efectivamente o grosso problema está em algum excesso de zelo por parte do Tribunal Constitucional e Entidade de Contas e no desajustamento da lei face à realidade.

O Tribunal Constitucional é culpado por excesso de zelo, ao considerar frequentemente dolo e merecedor de coima, erros que o próprio, e os auditores, concedem serem erros por mero lapso e de valores pouco expressivos. Erros levantados por auditores, que em empresas dariam origem a alterações nos procedimentos da organização e a uma censura dos responsáveis, mas nunca a coimas, conduzem o Tribunal Constitucional a invariavelmente emitir coimas de montantes extremamente elevados.

Tal excesso de zelo é agravado pelo facto de a lei ser também ela própria extremamente burocrática e desenhada como um partido político se tratasse de uma empresa, e não de uma organização sem fins lucrativos, que em muitos casos está longe de ser profissionalizada em toda a sua extensão, quando o é em alguma. O legislador pretendeu inovar na criação de uma lei “exemplar” que tudo exigia aos partidos políticos e acabou por criar uma lei que é, pela experiência prática da nossa democracia, impossível de cumprir.

Infelizmente, a tragédia e ironia da actual lei é que em vez de ser um factor de promoção na transparência das contas dos partidos políticos portugueses, tornou-se na promotora de uma repetição anual das mesmas acusações, com a invariável aplicação de coimas de valor insignificante para os partidos com grupos parlamentares, que representam em média menos de 1% dos seus proveitos anuais. Sendo que por outro lado, parece existir uma estratégia de impedir o crescimento de novas forças políticas, pois essas mesmas coimas chegam a representar várias vezes o valor anual do orçamento dos partidos sem grupo parlamentar, que por isso mesmo, vão acumulando dívidas ao Tribunal Constitucional, por questões tão insignificantes como uma factura recebida de um fornecedor com atraso e por isso contabilizada no ano errado ou a falta de declaração à Entidade de Contas da utilização de um escritório de um militante para as reuniões do partido.

Ou seja, as forças políticas que deveriam ser transparentes, por terem representação parlamentar, podem ignorar na prática a lei, pois as coimas são irrisórias face ao dinheiro que recebem dos contribuintes, e as forças políticas que nada recebem dos contribuintes, e não têm qualquer representação parlamentar, vêm-se a braços com coimas de valores impossíveis de pagar e com exigências impossíveis de cumprir.

Face a este estado de coisas, que nos leva mesmo a questionar “vivemos em democracia ou num regime autoritário?”, o MLS propõe como alterações urgentes à Lei do Financiamento dos Partidos Políticos:

- Criar procedimentos simplificados para as pequenas forças políticas, passando a Entidade de Contas a disponibilizar modelos próprios para serem preenchidos pelas mesmas e uma listagem exaustiva de toda a documentação a entregar - não podendo ser exigido nada mais do que o indicado nessa listagem;
- Reduzir o mínimo e máximo legal das coimas para os partidos abrangidos pelos procedimentos simplificados, pois o actual mínimo é superior ao orçamento anual de muitos dos partidos do nosso sistema, aqueles que precisamente não recebem um tostão do Estado. Deverá também respeitar-se sempre o princípio da proporcionalidade face aos partidos com financiamento público. Não é aceitável que face ao mesmo erro, um partido tenha que pagar uma multa superior ao seu orçamento anual e o outro, com recursos em muito superiores, tenha que pagar uma ínfima parte desse mesmo orçamento;
- Deve ser criado na lei um valor razoável para pequenas despesas não documentadas (equivalente às despesas "confidenciais" das empresas) e que poderia ser aplicado às despesas efectuadas em que por algum motivo não se conseguiu obter documento ou em que o documento foi emitido em nome de uma entidade errada. É quase inevitável que por exemplo um militante no terreno incorra numa pequena despesa e se esqueça de pedir o respectivo comprovativo ou coloque o número errado de pessoa colectiva. Estas despesas devem ser públicas, mas obviamente, não devem estar sujeitas a coima;
- Deverão ser criados procedimentos específicos para os novos partidos, pois a actual lei cria exigências no que toca a estes, impossíveis de cumprir, particularmente relativamente à abertura de contas bancárias;
- O princípio da especialização do exercício, embora uma boa prática, não pode ser visto como sagrado, pois é frequentemente extremamente difícil de aplicar na perfeição, como comprova a prática dos últimos anos da generalidade dos nossos partidos e tal, devido às interpretações abusivas do Tribunal Constitucional, deveria passar a estar expresso na lei.

Adicionalmente, o Movimento Liberal Social considera que o actual sistema é, ao contrário do que faria supor todo o enredo anual de fiscalização de contas partidárias, tudo menos transparente, recomendando por isso que:

- Seja publicada um mapa anual, no site da Entidade de Contas, com a listagem completa, para cada força política, de todos os cidadãos que efectuaram donativos superiores a um salário mínimo nacional. O valor máximo dos donativos individuais irá ser em 2009 de 11.250 € (25 S.M.N.), e existe obviamente o interesse público em saber que cidadãos estão a financiar que partidos. Este tipo de listagens é um procedimento normal em muitas democracias e não encontramos qualquer razão para não o ser em Portugal, até porque os próprios acórdãos do Tribunal Constitucional já revelam por vezes os nomes de alguns doadores;
- Seja publicado um histórico dos procedimentos que foram feitos para cobrar as coimas aplicadas e de qual o seu resultado final. Consideramos preocupante que não se publicite num local facilmente acessível pelos cidadãos o que tem acontecido após a publicação dos acórdãos do Tribunal Constitucional, particularmente porque, à semelhança de outros procedimentos legais, as coimas aplicadas por este também prescrevem (após 3 anos);
- Para todos os partidos, a Entidade de Contas, no que toca a "deveres genéricos" deveria estar obrigada, antes de cada ano, a publicar um documento em que detalhasse as regras a respeitar pelos partidos para o ano seguinte. Como foi o caso de 2004, relativamente à questão da súbita preocupação com os empréstimos de salas privadas para reuniões, é muito pouco transparente que as regras que regem a prestação de contas estejam sujeitas à inspiração do momento dos auditores, membros da Entidade de Contas e membros do Tribunal Constitucional. O dever de transparência não deve ser uma obrigação exclusiva dos partidos políticos, mas também uma obrigação das entidades que os fiscalizam;
- A entidade de contas deverá definir procedimentos claros para os casos em que existam situações indevidas mas inevitáveis (ex: facturas que foram colocadas em nome da entidade errada por circunstâncias inevitáveis, recibos recebidos pelos partidos mal preenchidos em termos de IVA), e deverá estar sempre obrigada a esclarecer em tempo útil questões que lhe sejam colocadas por qualquer partido sobre este tipo de problemas. A exigência de transparência na conta dos partidos políticos não pode de forma alguma estar alheada da realidade, principalmente quando se cobram coimas que podem colocar em causa a sobrevivência desses mesmos partidos políticos;
- Deverá ser criado e disponibilizado publicamente na sua página Internet, pela Entidade de Contas, um manual de boas práticas, indicando para os erros cometidos pelos partidos no passado qual a melhor solução para os mesmos, em linguagem acessível mesmo para não especialistas em contabilidade.

Miguel Duarte, presidente do MLS – Movimento Liberal Social, sobre o tema deste comunicado afirmou o seguinte: “É preocupante a actual situação do nosso sistema político, no que toca às normas que regem a fiscalização do mesmo, e à sua aplicação, pois existem práticas que constituem verdadeiros entraves à livre constituição de partidos políticos. Inclusivamente, esta situação começa a ser abordada a nível internacional, e temo que a não ser resolvida de uma forma definitiva, venha nos próximos anos a ter repercussões bem mais gravosas para a imagem da nossa democracia no exterior”.

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